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Contra purismos

Os judeus, pelo menos os retratados no Tn''k , são exímios puristas, apegados à santidade , que denota limpeza . Assim, odeiam tudo que é estrangeiro, e não se misturam com a gentalha dos gentios, pois estão convencidos de sua superioridade étnica. Com isso em mente, escreve Esdras: [...] os príncipes se dirigiram a mim e disseram: “O povo de Israel, os sacerdotes e os levitas não se separaram dos povos das terras ao redor e das suas práticas detestáveis, as práticas dos cananeus, dos hititas, dos perizeus, dos jebuseus, dos amonitas, dos moabitas, dos egípcios e dos amorreus. Eles tomaram algumas das filhas deles como esposas para si e para os seus filhos. Agora eles, a descendência santa, se misturaram com os povos das terras ao redor. Os príncipes e os subgovernadores foram os que mais praticaram essa infidelidade.” Assim que ouvi isso, rasguei a minha túnica e a minha capa, arranquei cabelos da minha cabeça e pelos da minha barba, e me sentei, profundamente abalado " (...
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Quando não se pode mais mudar tanta coisa errada...

vamos viver nossos sonhos... temos tão pouco tempo... Vivemos em um tempo em que a sensação de impotência diante das injustiças sociais se intensifica. Guerras, desigualdades, degradação ambiental, tensões políticas, tudo parece grande demais para ser mudado por pequenos grupos que ainda se mobilizam, quem dirá por um único indivíduo. É nesse cenário que surgem reflexões como a música de Charlie Brown Jr.  A ideia que abre esse texto carrega ao mesmo tempo o peso do desânimo coletivo e o desejo íntimo de uma vida plena. Ela desperta em mim sentimentos contrastantes, tendo em vista a minha recusa em viver só para mim mesmo, esquecendo de todos os problemas do mundo, e também minha impotência diante de tudo isso, o que me leva a tentar viver minha vida, realizar meus sonhos, enquanto há tempo. Os defensores desta perspectiva afirmam que, sim, o tempo humano é limitado, e não apenas em escala biográfica, mas também em âmbito psíquico. Envolver-se de forma obsessiva com os problemas do...

Frankenstein (2025) e as adaptações cinematográficas de obras literárias

Uma adaptação, ainda mais para outros suportes, nunca pode ser 100% fiel ao original. Mas o que está acontecendo com as adaptações ultimamente? Mudam elementos essenciais ao original, quase numa ânsia de dar um toque de autoria ao que seria somente uma imitação. Mas adaptação não é imitação. Certamente não é também apenas transplante de ações e imagens. Basear um filme em uma obra literária deve ser similar ao trabalho do engenheiro, que tem de ser fiel à planta do edifício a ser construído. Assim, a obra cinematográfica adaptada deve funcionar como a realização de uma ideia, a construção concreta do imaginário proporcionado pelas palavras do texto original.  Não costumo ver filmes baseados em livros que li, justamente por esse motivo. Para o leitor, é frustrante ver a obra original mutilada pela adaptação, quando esta retira a aura essencial, o core , o centro que mantém aquela. É o que acontece nas mais recentes adaptações que vi: Frankenstein (2025) e O filho de mil homens (2025...

PLATÃO E A POLÍCIA

N' A República , Platão imaginou uma cidade ideal na qual cada indivíduo cumpriria a função para a qual fosse mais apto. Entre os grupos que a compunham, havia os guardiões, homens e mulheres treinados para proteger a cidade, preservar a ordem e garantir a justiça. Para o filósofo, a função desses guardiões era nobre e exigia não apenas força física, mas, sobretudo, virtude moral. O verdadeiro guardião não deveria lutar por si mesmo, nem por riquezas ou poder, mas pelo bem comum. Sua alma deveria ser domada pela razão, equilibrando coragem com sabedoria e obediência às leis. Platão temia que, sem uma formação ética e filosófica, os guardiões se tornassem tiranos armados. Por isso, defendia que sua educação deveria unir ginástica e música, isto é, disciplina do corpo e cultivo da alma. O guardião ideal seria aquele que, mesmo tendo o poder de usar a força, só o faria em nome da justiça. Ele não seria servo da violência, mas instrumento da ordem racional. Contudo, ao observarmos muit...

Liberdade de expressão, letramento digital e o desafio do uso consciente das telas na educação

Em um mundo cada vez mais mediado por telas, a liberdade de expressão se tornou, paradoxalmente, um dos maiores desafios da sociedade contemporânea. Se, por um lado, a internet democratizou o acesso à palavra e permitiu que qualquer pessoa se tornasse produtora e difusora de conteúdo, por outro, esse mesmo fenômeno desencadeou efeitos colaterais preocupantes, tanto no âmbito individual quanto coletivo. Crianças e jovens em idade escolar estão especialmente expostos a esses impactos, que vão desde dificuldades cognitivas e prejuízos ao aprendizado até a disseminação de desinformação e o fortalecimento de discursos extremistas. A célebre frase do filósofo e semiólogo Umberto Eco sintetiza o dilema atual: “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”¹. A metáfora é precisa. Em um ambiente digital sem filtros editoriais ou critérios de verificação, a opinião de qualquer pessoa – por mais infundada que seja – passa a ter o mesmo alcance que o parecer de u...

A impossibilidade de justificar o assassinato em Crime e Castigo

 A obra Crime e Castigo , de Fiódor Dostoiévski, é um mergulho nas profundezas da alma humana, um confronto entre o impulso de ultrapassar limites e a necessidade de reconhecer que existem barreiras morais intransponíveis. O protagonista, Rodion Raskólnikov, acredita que certos indivíduos, dotados de inteligência ou de uma missão especial, poderiam transgredir as leis comuns para realizar feitos maiores. Amparado nessa concepção, ele comete o assassinato da velha agiota Alióna Ivanovna, convencido de que sua morte seria justificada pela libertação dos pobres explorados por ela. No entanto, o enredo se desenvolve como uma dolorosa refutação dessa tese, pois Dostoiévski demonstra que, independentemente da vileza da vítima, o assassinato não pode ser moralmente legitimado. O gesto de Raskólnikov revela o perigo de reduzir a vida humana a um cálculo utilitário. Ele acredita que a morte da agiota, por ser uma figura mesquinha e exploradora, abriria espaço para uma redistribuição de ben...

O Muro e o Martelo – A música Hammer, de Alice Phoebe Lou, e o esforço por um relacionamento saudável

Parece como se fosse o destino da humanidade, que, no importante processo de individuação, muros sejam erguidos em torno das pessoas, para que nossos corpos sejam protegidos da dor e da aniquilação. O simples fato de nascer nos causa dor. Nenhum outro animal nasce chorando — assim, o choro, para nós, torna-se sinônimo de estar vivo. No entanto, há apenas tanta dor que podemos suportar e, por isso, nos esforçamos para criar proteções contra o mundo exterior — e nisso nos separamos dos outros — e nos tornamos um “eu”. A partir desse ponto, toda vez somos confrontados com a decisão entre o Eu e o Eles. Como diz o ditado: "antes eles do que eu". É por isso que o sacrifício de Jesus Cristo parece tão impensável, mas, ao mesmo tempo, inspira tanta gratidão. As pessoas pensam: ele não se importou com sua vida — algo que eu nunca poderia fazer — e, de fato, a entregou para salvar a minha — ele sofreu para que eu não sofresse. No entanto, Jesus é o único exemplo de sacrifício altruí...