Em um mundo cada vez mais mediado por telas, a liberdade de expressão se tornou, paradoxalmente, um dos maiores desafios da sociedade contemporânea. Se, por um lado, a internet democratizou o acesso à palavra e permitiu que qualquer pessoa se tornasse produtora e difusora de conteúdo, por outro, esse mesmo fenômeno desencadeou efeitos colaterais preocupantes, tanto no âmbito individual quanto coletivo. Crianças e jovens em idade escolar estão especialmente expostos a esses impactos, que vão desde dificuldades cognitivas e prejuízos ao aprendizado até a disseminação de desinformação e o fortalecimento de discursos extremistas.
A célebre frase do filósofo e semiólogo Umberto Eco sintetiza o dilema atual: “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”¹. A metáfora é precisa. Em um ambiente digital sem filtros editoriais ou critérios de verificação, a opinião de qualquer pessoa – por mais infundada que seja – passa a ter o mesmo alcance que o parecer de um especialista. A consequência disso é um terreno fértil para a proliferação de informações falsas, teorias conspiratórias e narrativas radicais. O que antes era uma conversa despretensiosa “em um bar, depois de uma taça de vinho” tornou-se um discurso de alcance global, capaz de influenciar decisões políticas, moldar comportamentos e corroer a confiança nas instituições.
No plano coletivo, essa transformação tem implicações profundas. Como aponta o cientista político Francis Fukuyama², a ascensão das redes sociais desestruturou os mecanismos tradicionais de validação da verdade. Se antes a credibilidade era garantida por instituições como a imprensa, a academia ou o sistema judiciário, hoje a lógica que prevalece é a da popularidade: o que tem mais curtidas e compartilhamentos tende a ser aceito como verdadeiro. Esse deslocamento no eixo de autoridade epistêmica alimenta a polarização, dificulta o diálogo e fragiliza a coesão social.
Entretanto, os danos não se limitam ao campo político e social. No nível individual, o uso excessivo de telas está diretamente associado a prejuízos significativos no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Estudos recentes³ demonstram que o controle do uso de smartphones à noite está relacionado a melhorias substanciais no sono, no aprendizado e na capacidade de concentração. Não é difícil entender o porquê: a exposição prolongada à luz azul inibe a produção de melatonina, hormônio essencial para a regulação do sono; a hiperestimulação causada pelo consumo constante de conteúdo reduz a capacidade de foco; e a necessidade de gratificação imediata, reforçada pelos mecanismos de recompensa das redes sociais, compromete habilidades cognitivas mais complexas, como o pensamento crítico e a resolução de problemas.
O quadro se agrava quando se considera a idade dos usuários. Em uma fase da vida em que o cérebro ainda está em desenvolvimento e as habilidades socioemocionais estão em formação, a dependência de dispositivos digitais pode gerar consequências duradouras: déficit de atenção, ansiedade, isolamento social e dificuldade de estabelecer relações interpessoais fora do ambiente virtual. Ao mesmo tempo, o acesso irrestrito a conteúdos potencialmente nocivos – de discursos de ódio a padrões de beleza irreais – interfere na construção da identidade e na saúde mental dos jovens.
Diante desse cenário, proibir completamente o uso de celulares nas escolas parece uma solução simplista e, muitas vezes, contraproducente. A tecnologia não é, em si, inimiga da educação; o problema reside no modo como ela é utilizada. Por isso, uma estratégia mais eficaz e formadora seria integrar o universo digital ao processo pedagógico de maneira crítica e estruturada. Isso significa trazer para a sala de aula os conteúdos que circulam nas redes sociais – sejam notícias falsas, discursos extremistas ou tendências virais – e analisá-los à luz de critérios científicos, éticos e sociais. Ao fazer isso, a escola não apenas promove o letramento digital dos estudantes, como também os capacita a reconhecer manipulações, questionar fontes e distinguir opinião de fato.
O controle do uso de telas fora do ambiente escolar também desempenha um papel importante. Estabelecer limites para o uso de smartphones, especialmente durante a noite, é uma medida simples que pode gerar benefícios significativos. Ao reduzir a exposição nesse período, os jovens têm melhor qualidade de sono, o que, por sua vez, impacta positivamente sua memória, atenção e desempenho acadêmico. Mais do que uma questão de disciplina, trata-se de criar condições favoráveis para o desenvolvimento integral – físico, cognitivo e emocional.
Em última instância, o desafio contemporâneo não está em negar a liberdade de expressão nem em demonizar a tecnologia, mas em repensar as formas como nos relacionamos com ela. A internet não vai desaparecer, e tampouco devemos almejar um retorno ao passado pré-digital. O que precisamos é construir uma cultura digital mais consciente, crítica e responsável – uma cultura que reconheça o valor da palavra, mas que também entenda os riscos de sua banalização.
Menos tempo de tela pode significar mais tempo de aprendizado, mais sono reparador e mais espaço para o pensamento crítico florescer. E se conseguirmos transformar as redes sociais de espaços de alienação em ferramentas de reflexão, talvez possamos devolver à palavra o seu verdadeiro poder: não o de enganar e dividir, mas o de informar, gestar e unir.
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