certa vez, confessei uma tia minha que não lia muito e que se um livro não me cativasse nas primeiras páginas desistia dele. às vezes eu leio palavras como quem espera o trovão mas vem só o ruído de um fósforo molhado. não é culpa delas — é que há dias em que nem o céu me atravessa. é que não é toda palavra articulada que consegue transpor a crosta do meu psiquismo, que endureceu com os dias que passei sem espanto. mas ele, ainda que bem rígido como a crosta terrestre, também como ela é cheio de pequenas frestas (there is a crack in everything, that's where the light gets in - meu xará cohen), e alguns — e só alguns —escritos/escritores conseguem lançar suas flechas por essas brechas e rasgar meu interior - como quer kafka que seja a obra de arte. mesmo aquelas palavras mais líquidas, mais moles, mais alveolares, quando tocam aquela massa amorfa do pensamento e lhe dão forma, geram uma descarga que eletrifica o espírito, que fica quase sem saber como aquilo veio a ser. é por isso que eu adoro literatura e arte e porque sempre estou à sua procura, em voltas com ela. porque desperta meu espírito que na maior parte do tempo está depressivo, mórbido, perdido, fudido, errante — errare humanum est. é uma experiência oposto à alegoria da caverna de platão. é reacender a chama de dentro, não buscar pela que está fora. me perco com frequência, por dentro. mas às vezes uma linha, uma imagem, uma pausa bem colocada numa frase, uma metáfora que mordisca — tudo isso me reorienta, nem que seja por alguns segundos. a arte me ancora sem me prender. ela me liberta sem prometer salvação. talvez por isso eu volte sempre: não como quem busca cura, mas como quem aceita a ferida — como quer lacan. não é como coçar a casquinha na pele, inadvertidamente, e sentir o sangue escorrer. é a infusão de adrenalina que faz o sangue correr, como magma, e a pele tremer, como um terremoto nos meus nervos e um tsunami nos meus olhos. enfim, como quando o pequeno esquilo sai da hibernação e o calor volta para o corpo, para os membros: estou vivo — sinto.
O Caderno ( Le Grand Cahier ), de Ágota Kristóf, publicado pela primeira vez em 1986, é uma exploração perturbadora da natureza humana em meio às devastações da guerra. Ambientado em um país não identificado, mas que lembra a Hungria durante a Segunda Guerra Mundial, o romance narra a história de dois irmãos gêmeos que navegam por um mundo brutal com um desapego inquietante. Kristof, escritora nascida na Hungria que fugiu para a Suíça em 1956, constrói uma narrativa ao mesmo tempo concisa e profunda, deixando muito à interpretação do leitor. Críticos elogiaram sua prosa minimalista e a profundidade moral e psicológica do livro, que desafia noções tradicionais de bem e mal, inocência e culpa. O retrato cru da sobrevivência e a moralidade ambígua da obra consolidaram seu lugar como um trabalho significativo na literatura pós-moderna. A trama se desenrola em uma pequena vila onde os gêmeos são enviados para viver com sua avó abusiva após serem abandonados pela mãe. Os meninos documentam...
Comentários
Postar um comentário