Comecei a leitura das cartas de Kafka a Milena e posso dizer que já estou apaixonado pelos dois. Só as fotografias deles já me transportaram para aquela época e foi como ver um filme.
A relação de Milena Jesenská e Franz Kafka foi marcada por distância (eles só se encontraram duas vezes), idealização e impossibilidades — ingredientes indispensáveis de uma história romântica.
Milena Jesenská (1896–1944) era uma jornalista, escritora e tradutora tcheca. Ela era vibrante, intensa e vivia relacionamentos amorosos conturbados. Assim a descreveu o crítico e editor Willy Haas:
Ela própria às vezes dava a impressão de ser como uma nobre do século XVI ou XVII, uma personagem como aquelas que Stendhal retirava das antigas crônicas italianas e transplantava para seus romances — a Duquesa de Sanseverina ou Mathilde de La Mole: apaixonada, intrépida, fria e inteligente em suas decisões, mas imprudente na escolha dos meios quando sua paixão estava envolvida — e durante a juventude, parece que isso acontecia quase o tempo todo. Como amiga, era inesgotável: inesgotável em bondade, inesgotável em recursos cuja origem muitas vezes permanecia enigmática, mas também inesgotável nas exigências que fazia a seus amigos — exigências que, para ela e para seus amigos, pareciam absolutamente naturais.
Em 1920, ela começou a traduzir textos de Kafka do alemão para o tcheco. Foi assim que eles se conheceram, inicialmente por carta. Na época, Kafka já estava doente (tinha tuberculose) e vivia de maneira bastante isolada. As correspondências com Milena tiveram um impacto imenso em sua vida emocional. Elas foram, para ele, uma espécie de salvação e também uma fonte de sofrimento.
Por um lado, escrever para Milena dava a Kafka uma sensação de contato humano profundo, de ser compreendido e acolhido como raramente se sentia. Ele se abriu com ela de um jeito que não acontecia nem com seus amigos mais próximos. As cartas mostram Kafka vibrando de esperança, se sentindo vivo, tocado — mesmo em meio à doença e ao isolamento.
Mas, ao mesmo tempo, o envolvimento emocional com Milena também intensificou o conflito interno que Kafka carregava: o desejo de amor e de união versus o medo do compromisso, da exposição e da vida prática (Kafka temia não conseguir lidar com um relacionamento real, como ele próprio reconhecia nas cartas).
Milena também não saía ilesa desse relacionamento. Muitas vezes perdia o sono em voltas com a tradução da obra de Kafka, este que não dava muita importância a seus próprios escritos (ao menos assim percebia seu editor, Kurt Wolff) e não queria ele fosse o culpado pela deterioração da saúde de Milena. Kafka enxergava os sacrifícios que ela fazia:
Ela é um fogo vivo, como eu nunca vi; e, aliás, um fogo que, apesar de tudo, queima apenas por ele [Ernst Polak, seu primeiro marido]. Ao mesmo tempo, ela é extremamente terna, corajosa, inteligente, e sacrifica tudo — ou, se preferir, conquista tudo através do sacrifício.
Não obstante a constatação de que a relação entre os dois não era nada mais que intelectual e espiritual, Kafka ainda assim a mantinha como seu máximo consolo:
Eu mal dormi, mas duas coisas me consolaram. Primeiro, havia fortes dores no meu coração... e depois, após uma série de sonhos, tive este: uma criança usando uma pequena camisa estava sentada à minha esquerda (não me lembrava se era meu próprio filho ou não, mas isso não me preocupava), Milena estava à minha direita, ambos se aninhavam contra mim, e eu lhes contava uma história sobre minha carteira, que eu havia perdido, mas depois recuperado, embora ainda não tivesse olhado dentro dela e não soubesse se o dinheiro ainda estava lá. Mas mesmo que tivesse sido perdido, não importava, desde que as duas estivessem ao meu lado...
Talvez a relação entre os dois não tenha gerado uma criança, mas com certeza resultou em Kafka sendo a pessoa que mais conhecia Milena e Milena a que mais conhecia Kafka. Em ocasião da morte do escritor, ela escreveu sobre ele:
Ele entendia as pessoas como só alguém de grande e nervosa sensibilidade pode, alguém que está sozinho, alguém que consegue reconhecer os outros em um instante, quase como um profeta. Seu conhecimento do mundo era extraordinário e profundo; ele próprio era um mundo extraordinário e profundo. [...] [Seus livros] são cheios de escárnio seco e da perspectiva sensível de um homem que via o mundo de forma tão clara que não podia suportá-lo, um homem que estava destinado a morrer, pois se recusava a fazer concessões ou a se refugiar, como os outros, em várias falácias da razão ou no inconsciente — até mesmo as mais nobres. [...] Ele era um artista e um homem de tal consciência ansiosa que podia ouvir até onde os outros, surdos, se sentiam seguros.
Com efeito, a correspondência entre Kafka e Milena não foi só no sentido de estabelecer ligação através de carta, mas em todos os sentidos: uma relação mútua, de similitude e equivalência.
Nos dias de hoje, é difícil encontrar uma correspondência como essa, onde as pessoas se entregam tanto através da escrita, revelando suas emoções e pensamentos mais profundos. As interações digitais e instantâneas de hoje muitas vezes não permitem o mesmo nível de reflexão, intimidade ou cuidado que as cartas trocadas entre Kafka e Milena proporcionaram. Eles se conheceram de uma maneira que transcende o espaço e o tempo, através de um conhecimento profundo e uma escuta atenta do ser do outro.
A correspondência deles, sem dúvida, foi única, uma verdadeira conexão que vai além do simples compartilhar de palavras, sendo uma troca de almas e pensamentos, um pouco à moda antiga, mas talvez até mais rara e valiosa justamente por isso.
Comentários
Postar um comentário