Até onde sei, Platão foi o primeiro a associar ética e estética, avançando a ideia de que o belo leva ao bem e quem procura o bem vai atrás do belo. Desse modo, matar uma barata não parece ser um ato imoral, enquanto esmagar uma borboleta colorida seria indignante. Se não fosse assim, talvez o destino de Gregor Samsa teria sido outro. Apenas talvez, pois no capítulo XXXI, “A borboleta preta”, de Memória Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis deixa transparecer uma ideia desconcertante: não importa o contexto de coisas no mundo, o ser humano sempre há de fazer o que lhe der na telha. Assim, o bruxo do Cosme Velho faz eco a André Gide quando o autor francês, no Tratado de Narciso, demonstra como Adão, mesmo no paraíso, quebra um galho só para ter algum contraste em meio à perfeição edênica. Porque pode.
As ações narradas no referido capítulo são como se seguem: Brás Cubas vê uma borboleta que adentrara em seu quarto, pousou-lhe na testa, depois no quadro de seu pai e por fim no vidro da janela, para depois ser esbofeteada por Brás Cubas com uma toalha e então ser defenestrada por um seu piparote. Ah, tudo isto por ser uma borboleta preta. O defunto autor até conjectura que, fosse azul, ou seja, bela, não teria o mesmo destino, só para depois reconhecer que, ainda que sendo bela, a borboleta, por ser tão inferior ao ser humano, ainda poderia ter sua aniquilação como destino.
“[…] é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era”.
Em suma, não há nada certo nessa vida, nenhuma certeza, nenhum conceito ou preconceito absoluto, pois o ser humano pode sempre surpreender, para o bem ou para o mal. Mas quase sempre para o mal.
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