Spinoza: o racionalista emocional

 Fui atraído a ler Spinoza por causa de sua conhecida abordagem à filosofia racionalista, que intrigantemente não exclui a emoção. Diferente de muitos outros pensadores racionalistas que frequentemente priorizam a razão em detrimento da emoção, Spinoza integra as emoções em seu sistema filosófico. Ele reconhece a importância das emoções na vida humana e explora suas origens, efeitos e como elas interagem com a razão. Essa perspectiva holística, onde as emoções não são vistas como opostas à razão, mas sim como elementos que podem ser entendidos e geridos através do pensamento racional, despertou meu interesse e me motivou a aprofundar-me em suas obras.    

    Como estava dizendo, para Spinoza, as emoções (ou "afetos") são aspectos fundamentais da experiência humana, e ele oferece uma descrição detalhada delas em sua obra Ética. As emoções, segundo o filósofo, são modificações do corpo que aumentam ou diminuem seu poder de agir, juntamente com ideias correspondentes na mente. Elas são, portanto, fenômenos tanto físicos quanto mentais, enraizados em nossa essência e existência. Além disso, as emoções estão intimamente ligadas ao nosso conatus, o impulso inerente de todo ser de perseverar em sua existência e aumentar seu poder.

    Nesse sentido, Spinoza identifica três emoções primárias ou centrais das quais as outras derivam: alegria (um aumento no poder de agir do corpo), tristeza (uma diminuição no poder de agir do corpo) e desejo (a motivação subjacente a todas as ações e emoções). Além disso, a variedade de emoções é categorizada por Spinoza principalmente como emoções passivas (paixões) e emoções ativas. As paixões são emoções passivas porque ocorrem quando somos afetados por influências externas e não entendemos completamente as causas dessas emoções. Elas são chamadas de "passivas" porque refletem nossa vulnerabilidade ao mundo exterior e o estado de ser afetado, em vez de agir por conta própria. Como representam uma diminuição no nosso poder de agir, podem levar a emoções negativas como tristeza, medo e raiva e, consequentemente, dificultar nosso objetivo (conatus) de levar uma vida plena. Por essa razão, devemos tentar erradicar as paixões de nossas mentes¹.

O poder da mente sobre as emoções

    De acordo com Spinoza: "Não há remédio dentro de nosso poder que possa ser concebido mais excelente para as emoções do que aquele que consiste em um verdadeiro conhecimento delas" (Nota, Proposição 4, Parte 5).

    O filósofo afirma que todas as nossas ações são impulsionadas por desejos que surgem de ideias inadequadas ou adequadas². Ideias inadequadas levam a paixões, enquanto ideias adequadas dão origem a virtudes. Além disso, o mesmo desejo ou emoção pode ser às vezes chamado de paixão e outras vezes, virtude, dependendo apenas se derivam de ideias inadequadas ou adequadas³.

    Spinoza explica ainda que o único poder da mente reside no pensamento e na formação de ideias adequadas. Dada sua definição de emoções como ideias que representam os estados do corpo, e entendendo que uma paixão é uma ideia confusa, ele postula que se formassemos uma ideia clara e distinta de uma emoção, ela se relacionaria unicamente com a mente e deixaria de ser uma paixão.

    Em outras palavras, em vez de evitar completamente nossas emoções, precisamos apenas nos esforçar para entender cada emoção de forma clara e distinta. Ao fazer isso, a mente transita do sofrer a emoção para o contemplar ideias claras e distintas. Então, quanto melhor entendermos uma emoção, mais controle teremos sobre ela, e menos a mente será afetada por ela. Por causa disso, podemos ser livres para desfrutar de emoções positivas (ativas), que surgem apenas da razão, ou seja, da nossa própria natureza humana.

Emoções humanas e como nos relacionamos uns com os outros

    A exploração das emoções por Spinoza se estende ao campo das relações sociais, tendo em vista que elas influenciam profundamente como interagimos uns com os outros. Para o filósofo, emoções, particularmente paixões, frequentemente governam nossas dinâmicas interpessoais, de modo que, quando experimentamos alegria ou tristeza, essas emoções podem ressoar com os outros, criando um efeito dominó em nosso ambiente social. Esse contágio emocional destaca a interconexão das experiências humanas e a natureza compartilhada de nossas respostas emocionais.

    Apesar dos vários conflitos entre os seres humanos, para Spinoza, "o homem é um deus para o homem", ou seja, não há nada na natureza que seja melhor para os homens do que os próprios homens — ou, pelo menos, desde que os homens ajam de acordo com a natureza humana, pois, se todos agissem de acordo com a orientação da razão, que busca o bem supremo (Deus ou Natureza), perseguiriam o mesmo objetivo comum. Como resultado, "na medida em que os homens estão sujeitos às paixões, não se pode dizer que concordem" (Proposição 32, Parte 4) entre si. Portanto, devemos nos livrar das paixões tanto quanto possível não apenas para o bem de uma vida privada boa, mas também para melhorar o tecido social.


Notas de rodapé:

1. Na verdade, Spinoza, sendo um filósofo da positividade, afirma que devemos tentar cultivar emoções ativas para que superem em número as paixões, que, eventualmente, não terão influência sobre nossas emoções.

2. Nossas ideias são modos de pensamento, e sua adequação depende de quão bem refletem a essência de Deus ou da Natureza. Ideias inadequadas são entendimentos incompletos e confusos, causados por influências externas, enquanto ideias adequadas são percepções completas e claras da realidade, alcançadas através do pensamento ativo e racional.

3. "Por exemplo, mostramos que a natureza humana é constituída de tal forma que cada um deseja que outras pessoas vivam de acordo com sua maneira de pensar (Nota, Proposição 31, Parte 3), um desejo que em um homem que não é guiado pela razão é uma paixão que é chamada de ambição, e não é muito diferente do orgulho; enquanto, por outro lado, em um homem que vive de acordo com os ditames da razão é uma ação ou virtude que é chamada de piedade (Nota, Proposição 37, Parte 4, e Demonstração 2 da mesma Proposição)."

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