A necessidade e a suficiência do amor

A alguns dias para o dia dos pais, ouvi uma colega de trabalho falar sobre como o dela não havia sido tão presente, fato para o qual ela deu a justificativa de que ele não amava ser pai. Esse é um tema -- o amor -- que ocupa a maior parte das minhas reflexões, e estou convencido de que o amor seja o que há de mais importante na existência. Já discorri um pouco sobre isso, aqui, e já comentei sobre os diferentes significados que os antigos davam para a palavra amor ("Amor e paixão"). Estou de acordo com Montaigne quando diz que quase todo desacordo filosófico está fundado em problemas de semântica e, por isso, é sempre preciso começar um diálogo (ainda que consigo mesmo) estabelecendo o que se quer dizer por determinado vocábulo -- no caso, o amor e o amar

Lana, na canção Born to die afirma que "sometimes love is not enough and the road gets tough", e aqui o amor é tomado com um sentido próximo ao que tomou minha colega e ao que eu chamo de paixão, ou seja, do amor como um sentimento, uma inclinação para algo ou alguém. Assim fique definido. Outra consideração a ser feita é acerca da afirmação de que o amor não é suficiente. Certamente, gostar de algo ou de alguém não é nunca suficiente (e, aliás, esse fato corrobora o conceito de amor que tenho em mente; mas eu me adianto). Vide o filme Um dia (2011), em que Emma fala para Dexter que não pode ficar com ele, pois diz que o ama, mas que não gosta dele, traçando assim a distinção entre essas duas experiências. 

Mas se esse amor, que é gostar, não é suficiente, nem por isso é necessário. No campo da lógica, há distinção entre o que é suficiente e o que é necessário para que uma sentença seja verdadeira. A é uma condição suficiente para B sempre que A seja tudo for preciso para B. Por sua vez, A é uma condição necessária para B sempre que B não possa ser sem A.  Enfim, amor, que é gostar, não é suficiente nem necessário para que uma relação aconteça e se mantenha, porque o que é suficiente (e isso eu já defendi em "Amor é suficiente") e também necessário é o amor, que é amar.

Como já disse, o amor, que é amar, é o que há de mais importante na existência. É ele que mantém a matéria unida -- e isso já disseram alguns filósofos pré-socráticos. É ele que perpassa (prefixo per-: atravessa, completa) a vida. Em inglês e em alemão, o verbo amar e o verbo viver são bem próximos (love/live; lieben/leben). Amor, que é amar, é o fundamento até mesmo em questões éticas, isto é, em situações que pedem a pergunta: "o que fazer?". Quando Kant define uma ação moralmente boa, recorre ao conceito de necessidade -- é moralmente bom aquilo que é necessário segundo a razão presente em qualquer ser racional. Eu digo que é moralmente bom aquilo que é necessário segundo o amor presente em qualquer matéria, orgânica ou não.

Voltando para o tópico frasal que iniciou o texto, os pais que não são presentes na vida dos filhos possuem o amor, que é gostar, que faz somente aquilo que lhe agrada, quando, por suas condições de pais (por definição, só é pai quem tem filho, e essa é uma relação irrevogável), deveriam abraçar o amor, que é amar, que se faz presente no arranjo de toda a matéria -- e não estão as organizações químicas, biológicas e psíquicas de pais e filhos intimamente correlacionadas? 

Só o amor, que é amar, é necessário e suficiente para manter as pessoas, os átomos e o cosmos unidos.






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