A língua de Eros

 O programa de pós-graduação em Letras da UFC (PPGL) possui um grupo de estudos sobre erotismo, que, em meados desse mês, apresentou seu 5º Colóquio, intitulado "Pornofagias". Além de conversas, o evento, que aconteceu no prédio do PPGL, contou com exposição de artes visuais (cerâmica, desenho, pintura, escultura, fotografia). As manifestações artísticas eram diversas, interativas e algumas explícitas.

Estou longe de ser puritano, e obviamente o erotismo envolve as genitais, mas é justamente essa obviedade que me fez desgostar da exposição e do modo de entender a linguagem erótica. É um tanto preguiçoso pensar logo em vulvas e pênis (esses, por sinal, havia mais que aquelas) quando se quer falar de erotismo e erotização. Para mim (sim, sempre falo do meu ponto de vista, embora considere a opinião dos outros também), a língua de Eros é bem mais sutil, e envolve mais que as genitais.

Sinto muito mais prazer estético na expressão erótica que se aproxima de uns versos da música Touch, da Alice Phoebe Lou: "I wanna give you all I've got / Until I'm not even a thought". A sutileza dessas palavras alcança qualquer um que possua sensibilidade poética e tenha experimentado o gozo; não qualquer gozo, mas aquele advindo do encontro de corpos, de pessoas que, inflamadas pelo desejo - "You've been hanging in my head / I've been imagining you in my bed" -, deram tudo naquele momento, até o corpo ficar tão exausto, que não consigam ser concebidas nem em pensamento. 

Por outro lado, para quem nunca vivenciou uma relação sexual assim, a simples exibição do corpo, como nos sites pornográficos, é entendida como erotismo. É o contrário do que se encontra na canção Gentle Earthquakes, da Aurora: "With combination of purple and pink / The only traces of our love blossoming". Não podem esses versos ser referência às genitais? Sim, de modo bem sutil.

Eros é um deus grego retratado de modos diversos em muitas estórias. Então, buscar saber qual é a língua de Eros passa antes por buscar saber qual é o Eros [de] que [se] fala. 

Estou longe de ser platônico, mas dá para aprender muito sobre o tema de diálogos platônicos (O Banquete) e neoplatônicos (Eros e Psyche - do grego: espírito, alma, vida, mente). Dessas obras é possível depreender que o erotismo está muito mais ligado à mente que ao corpo, duas instâncias entendidas pelos [neo]platônicos como separadas. Curioso, porque é aí também onde me separo deles.

Na mesma canção supracitada, seguem os seguintes versos: 

    But my imagination can only go
    Only go so far, only go so far
    I want the real thing, I want it bad
    Want you to hold me like you never had
    Can our bodies meet again
    Like it's the first time,
    Like there's no ties?

Claramente, pensamento, imaginação e desejo estão bem próximos - o erotismo nasce na mente e, antes de ser fálico, é fala. Mas, apesar disso, é no corpo que ele se concretiza e, realizado, morre ("I want to give you all I've got / Until my body begins to rot"). Note que a "língua de Eros" comporta essa ambiguidade - língua = linguagem / língua = órgão. Não é só mente nem é só corpo. É movimento [entre eles].


Para saber mais: Good sex explained in 9 minutes | Dr. Emily Nagoski

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