A noção baumaniana de vida líquida
It is impossible to escape the impression that people commonly use false standards of measurement — that they seek power, success and wealth for themselves and admire them in others, and that they underestimate what is of true value in life.
(Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents)
Em Vida Líquida, Zygmunt Bauman parece fazer uma crítica à escolha de viver no presente, no aqui e agora — o hic et nunc da filosofia existencialista. Maz é preciso não confundir aquilo a que Bauman chama de vida líquida — pois, do contrário, seria um pleonasmo — com a constatação da brevidade da vida e da impermanência e inconstância das coisas materiais — que é talvez tão antiga quanto o homem e é ponto de reflexão inesgotável presente em todas as filosofias, tanto ocidentais quanto orientais —, nem muito menos com a escolha de seguir o que diz Horácio: "carpe diem quam minimum credula postero". Seria audácia do sociólogo polonês querer responder positivamente à antiquíssima pergunta: existe vida além da matéria?
Claro fique, então, que o conceito de vida líquida faz referência a outro conceito cunhado por Bauman, o conceito de modernidade líquida, que alguns chamam de modernidade tardia ou pós-modernidade, e que sua crítica é à aplicação pós-moderna, digamos assim, do carpe diem.
A busca por solidez, por segurança e ordem, mostrou-se baldada, como evidenciou a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. A tentativa de ordenar e gerenciar a vida social, política e cultural esbarra em grupos sociais que não podem ser administrados nem controlados — os estranhos. Bauman argumenta que o Holocausto deve ser visto como profundamente conectado à modernidade e seus esforços de ordenação. A Solução Final foi retratada por ele como um exemplo extremo da tentativa feita pela sociedade de extirpar os elementos estranhos e incômodos que existem dentro dela.
Então, uma mudança do sólido para o líquido ocorreu na sociedade moderna na segunda metade do século XX, e a busca por ordem e segurança foi abandonada em troca de mais liberdade. Entretanto, em uma sociedade que perdera o apreço pelo verdadeiro valor da vida, essa liberdade significou apenas liberdade para comprar e consumir. Novamente: não creio que Bauman seja contra as pessoas, sabendo da brevidade da vida, aproveitarem-na. Sua crítica é à maneira como a aproveitamos nos tempos líquido-modernos, quer dizer, voltada para o consumo desmesurado de si e dos outros, o que pressupõe o descarte de pessoas e culturas, e de valores importantes para a convivência humana e para a construção de uma boa sociedade.
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